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A Hipocrisia no Cuidado com os Pais

Foto do escritor: Rosimeri MebsRosimeri Mebs

Maria é a filha mais velha, tem 57 anos de idade. Casada, com 03 filhos adultos. Tem três irmãos mais novos com idades: 54, 51 e 50 anos, todos já com suas famílias também. Há quatro anos, Maria abriu as portas de sua casa para cuidar da mãe idosa. Não foi uma escolha, foi uma imposição disfarçada de “melhor opção”, considerando que a mãe já apresentava sérios problemas e que não seria bom que ficasse sozinha. Como Maria morava em uma casa maior e era a filha que vivia mais perto, coube a ela assumir essa responsabilidade.

Durante esses anos, nenhum dos outros irmãos questionou o esforço de Maria, ou perguntou como ela estava, se precisava de ajuda, se os custos estavam pesando ou se ela precisava de um dia de descanso. Não! Porque, para os irmãos, ela já tinha assumido aquele papel. E, para todos eles, era muito conveniente que continuasse assim.

Até que hoje, dia 09 de março, um dos irmãos mandou um áudio para a mãe, pois a mãe estava acamada com uma virose: diarreia, vômito e mal-estar. Só que, para o azar de alguns, pois Maria estava colocando roupa de cama limpa na cama de sua mãe, escutou o áudio enviado pelo irmão de 54 anos, que a mãe sem querer apertou, dizendo o seguinte:

— Maria tem que se tocar, a Cris já escreveu no grupo da família o que precisa fazer nesses casos: comprar gatorade, fazer canja de galinha, água de coco e hidratar. Vamos ver se ela se toca e faz.

Maria ouviu aquilo e sentiu um nó na garganta. Desde quando ela tinha deixado de cuidar da mãe? E mais: se fosse verdade que ela estava falhando, por que, em quatro anos, nenhum dos irmãos se ofereceu para levar a mãe para morar com eles? Nenhum sugeriu revezamento. Ninguém perguntou: "Maria, você precisa de um tempo?" "Maria, você precisa de ajuda?"

A hipocrisia é um prato que muitos gostam de servir, mas poucos gostam de engolir. Jogam o peso da responsabilidade sobre um só filho e depois ainda cobram como se tivessem autoridade moral para isso.

Se cuidar dos pais é um dever, por que só um filho carrega esse fardo?


O Peso Invisível do Cuidado: Adoecimento dos Cuidadores



idosos no banco
idosos no banco

A sobrecarga emocional e física vivida por cuidadores familiares, como Maria, não é apenas um drama pessoal, mas uma realidade amplamente documentada na literatura científica. Estudos indicam que o papel de cuidador está associado a altos níveis de estresse, exaustão emocional, depressão e problemas físicos de saúde (FERRAZ et al., 2020).

Pesquisas demonstram que a falta de suporte familiar e o reconhecimento limitado do esforço dos cuidadores aumentam significativamente o risco de transtornos mentais, como ansiedade e depressão (ALMEIDA; SOUSA, 2021). Além disso, o isolamento social e a falta de tempo para autocuidado agravam ainda mais esses efeitos (SILVA et al., 2023).

É essencial que o cuidado com idosos seja uma responsabilidade compartilhada entre todos os filhos e que os cuidadores recebam suporte emocional, financeiro e social. Afinal, ninguém deveria carregar sozinho um peso que é de todos.


Referências

ALMEIDA, T. C.; SOUSA, R. S. Impacto emocional nos cuidadores familiares de idosos dependentes. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 74, n. 3, p. 1-9, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/jGPHhJ88YcLdNhYdcv7xknv. Acesso em: 9 mar. 2025.

FERRAZ, E. L.; SANTOS, A. P.; MOURA, R. F. Sobrecarrega emocional e adoecimento mental em cuidadores familiares. Saúde & Sociedade, v. 29, n. 1, p. 15-27, 2020. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1983-82202020000100007. Acesso em: 9 mar. 2025.

SILVA, M. C.; ROCHA, D. F.; LIMA, J. B. O impacto do cuidado prolongado na saúde mental dos cuidadores familiares. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 2, p. 55-68, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/6LgdLWFWyCFZHv33cSTypSm. Acesso em: 9 mar. 2025.

 
 
 

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